"Meu
nome é Bertoldo Hartfelder e eu estou aqui para fazer um breve relato da viagem de um
grupo de 15 pessoas, entre os quais 10 são integrantes da família Hartfelder e outros
cinco eram cunhados. Quero falar da nossa saída da Rússia até a chegada ao
Brasil. Deste grupo, atualmente, vivem apenas minha sobrinha e eu.
Quando puxo pela memória e penso em nossa história, vejo
comoeste grupo teve coragem, ousadia e fé em Deus para empreenderem esta viagem, de quase
7.000Km, com as mínimas condições e sem saber o que os aguardava pela frente.
Por volta de 1930, o meu pai já era falecido, saímos de Saratow, na
Rússia, em direção ao leste para a China. Minha mãe, os irmãos dela, um dos quais era
casado, estes todos adultos, e nós crianças e adolescentes (uma irmã minha, uma
sobrinha, e eu com cinco anos de idade), nos pusemos em marcha. Ao sairmos de lá deixamos
para trás todos os bens que tínhamos, pensando apenas em salvar nossas vidas.
A viagem foi feita com diversas dificuldades, foi feita a pé, a
cavalo, trenó e trem de carga. Os 2 irmãos mais velhos ficaram para trás trazendo
alimentos e agasalhos que seriam necessários durante a viagem. Certo dia, porém, foram
pegos no caminho e perderam tudo o que estavam levando, e quase suas vidas também.
Chegaram a estar diante de um pelotão de fuzilamento. Mas, graças a Deus, o pior não
aconteceu e eles foram presos. Alguns meses depois conseguiram fugir do local onde ficaram
retidos trabalhando e conseguiram juntar-se a nós.
Assim chegamos na cidade de Harbin, na China, e lá permanecemos cerca
de 3 a 4 anos.
Durante estes anos em Harbin muitas coisas vieram a transformar a nossa
família. A alegria do casamento de um irmão e duas irmãs meus; e tristes, como a perda
de minha mãe, de um irmão mais velho e sua esposa, de uma sobrinha, os quais faleceram
devido a uma grande epidemia de tifo. Com esta epidemia muitas pessoas perderam a vida.
O tempo foi passando e continuamos prosseguindo com fé e esperança de
encontrarmos um futuro melhor.
E assim foi até ficarmos sabendo, através da Cruz Vermelha, que havia
um país distante que estava aceitando imigrantes. Novamente nos preparamos para mais uma
longa viagem, desta vez com destino ao Brasil, mais precisamente para uma cidadezinha no
interior do Rio Grande do Sul, chamada Pelotas. Esta viagem seria então feita numa
situação um pouco mais confortável, foi feita de navio. Fomos de trem até o
porto de Dairen para embarcar no navio, um cargueiro também chamado 'Dairen.'
Nesta longa jornada, paramos em muitos portos, de muitos países,
atravessamos os mares da China meridional, o Oceano Índico, o Mar da Arábia, o Mar
Vermelho, o Canal de Suez, o Mar Mediterrâneo, o Estreito de Gibraltar até
finalmente chegarmos ao Oceano Atlântico, conforme demarcado no mapa (veja abaixo o link
de acesso).
Chegamos ao Brasil aportamos ainda em alguns Portos até chegamos ao
Porto do Rio de Janeiro em 19 de abril de 1934. Lá ficamos de quarentena na Ilha das
Flores. Passados os 40 dias, mais uma viagem até o Porto de Pelotas, nosso
destino final.
Quando desembarcamos em Pelotas, fomos recebidos pelo Pastor Otto
Jüthler da Igreja Martin Luther e uma comitiva de colonos Pomeranos.
Daí seguimos de carroças até Arroio do Padre II, onde nos acolheram
e começamos a aprender uma nova vida, uma nova cultura, a plantar e colher, num país bem
diferente do anterior, além da acolhida nos autorizaram a derrubada de árvores das quais
cortamos as táboas para levantarmos nossas casas nas terras recebidas da Alemanha 2
hectares por pessoa. Também recebemos roupas e ferramentas para podermos trabalhar nas
terras virgens, que tínhamos de lavrar 3 a 4 vezes para podermos plantar, pois o solo era
extremamente endurecido.
E assim iniciamos uma nova vida. Casamos e constituímos
família, alguns permaneceram em Pelotas e outros mudaram-se para Porto Alegre e
Argentina.
Esta estória que eu contei aqui, parece de filme ou de novela como a
de Terra Nostra, tão comentada, mas aconteceu de verdade. Muitas outras pessoas passaram
por dificuldades como essa, com dificuldades, perdas, tristezas e muitas alegrias. No
final, fica o aprendizado e o agradecimento a Deus por estarmos hoje aqui, podendo contar
para vocês essa história que teve um final feliz e, acima de tudo muita fé e confiança
em Deus que sabe o que faz. E agradecer também as pessoas que durante a travessia nos
auxiliaram dando alimento, trabalho e hospedagem, e ao Brasil que nos acolheu e onde
pudemos nos estabelecer, trabalhar e viver em paz junto de nossas famílias.