INICIO     CULTOS      REFLEXÕES      LUTERANISMO      IMIGRAÇÃO     ANTEPASSADOS       IGREJINHA MARTIN LUTHER     ÓRGÃO DE TUBOS

                      

CALENDÁRIO     COMO FAZER PARA     OBJETIVO      GESTÃO       PASTORAL      FILANTROPIA     GRUPOS     CATEQUESE      RÁDIO E TV

Escapando do "Paraíso" Vermelho

Erica Margita Neumann
Uma trajetória de milhares de quilômetros da escravidão comunista de encontro à liberdade.

Introdução

Este relato é apenas um resumo da história da família que está sendo compilada em um livro ilustrado com fotos, documentos, mapas e desenhos.

Já em 1763 a czarina Catarina II, de origem alemã, tentou atrair com incentivos fiscais, alemães para povoar e desenvolver o vasto império. Os czares posteriores também atraíram colonizadores, mas já não ofereciam as mesmas vantagens, mesmo assim, o país ainda era atrativo pela imensidão de terras despovoadas.

A família Neumann, que vivia na Prússia, resolveu seguir as pegadas dos muitos que migraram para a Volínia na época dos czares, em busca de melhores condições de vida. Quando o comunismo tomou conta do país, o sonho se transformou em pesadelo. Com muita dificuldade, conseguiram escapar para Harbin na China onde passaram a viver como refugiados, imigrando posteriormente para o Brasil.

Atualmente, a maior parte da antiga Volínia pertence à Ucrânia e uma parte menor à Bielorússia.

Ancestrais

Meus bisavós, Gottlieb Neumann e Juliane Janke casaram na paróquia de Zhitomir na Volínia a 17 de fevereiro de 1859.

Tem-se notícia que tiveram vários filhos na Volínia, dentre os quais :

- Heinrich nascido a 18 de janeiro de 1860 em Zhitomir.

- Johann nascido a 6 de abril de 1869 em Nedbajuwka.

- Justine nascida a 10 de fevereiro de 1871 em Nedbajuwka.

- Ludwig nascido a 27 de janeiro de 1873 em Alexanderdorf.

- Gottlieb, nascido a 15 de junho de 1875 em Alexanderdorf e falecido 3 dias após.

- Gustav (meu avô) nascido a 19 de janeiro de 1880 em Alexanderdorf.

- Um nasci-morto, sem nome, que nasceu/faleceu a 18 de abril de 1883 em Alexanderdorf.

- Mathilde falecida a 19 de outubro de 1883 aos 5 anos em Alexanderdorf, não se sabe a data de nascimento.

E mais alguns não identificados até o momento.

 No dia 08 de fevereiro de 1883 nasceu minha avó Rosalie Michailowna Stripling em Alexanderdorf, Volínia.

Alexanderdorf, que passou a se chamar Granidub em 1893, localizava-se a aproximadamente 260 km a oeste de Kiev e, Nebajufka (ou Nedbajuwka) ficava a 4 km de Granidub, todos na região de Heimtal na Volínia.

O casamento dos avós Gustav Neumann e Rosalie Michailowna Stripling foi realizado em Rudnhansk na Volínia a 15 de janeiro de 1903. Adquiriram terras em Granidub e moraram ali, trabalhando como agricultores. Em Granidub (ex-Alexanderdorf) nasceram seus filhos: Herta a 7 de dezembro de 1903, Erna a 25 de agosto de 1906, Ewald a 20 de julho de 1909.

A época para a família era de prosperidade. Foram feitos melhoramentos na propriedade, mais máquinas para ajudar na plantação e colheita e o local também foi sendo embelezado.

Gustav Neumann viajou para conhecer a América do Sul. Esteve fora aproximadamente 3 anos, de 1911 a 1913, deixando Rosalie grávida, com filhos pequenos, para administrar tudo e ainda enviar dinheiro. Entre os países que visitou, destacou-se o Brasil e Argentina. O filho Herbert nasceu a 20 de dezembro de 1911 enquanto Gustav estava viajando.

A deportação durante a Primeira Guerra

Primeira Guerra Mundial iniciou em 1914. Apesar de 300 mil alemães servirem no exército russo, foi feita uma generalizada propaganda anti-alemã no país, sendo proibido inclusive, falar a língua alemã em público. A discriminação chegou a tal ponto que em julho de 1915, vieram as ordens de deportação contra os alemães da Volínia. A polícia chegou armada e obrigou-os a abandonar suas terras e partir para o leste, entre o Rio Volga e a Sibéria. Gustav e família foram banidos para uma região após o Rio Volga. Era época da colheita mas não lhes foi permitido colher, tudo teve que ser abandonado como estava. Atrelaram dois cavalos à carroça, prenderam sobre ela um toldo e a carregaram com mantimentos e agasalhos. Com seus filhos pequenos partiram, deixando a casa mobiliada com todas as instalações, plantações, animais e tudo o mais.

Sem terras e casa, fizeram da carroça sua moradia. Viajaram um trecho, pararam por algum tempo para pedir trabalho em alguma fazenda em troca de dinheiro ou comida, depois seguiram viagem. Passaram muitas dificuldades para sobreviver. Frio, fome e epidemias dizimaram milhares de alemães durante essa deportação.

Para esse terrível evento, os deportados criaram uma canção, aproveitando uma antiga melodia, denominada de "Stenka Razin". Os versos são os seguintes:

 

Aus Wolhynien sind gezogen, die Verjagten arm und reich.
Keinem ging der Weg auf Rosen, alle waren sie jetzt gleich.
Sonntag früh, am zehnten Juli, grade zu der Erntezeit
Müssten durch die Trübsalsschule, alle arm' und reiche Leut!

Angespannt und schwer beladen, steht der Wagen vor der Tür.
Manche Sachen, oh wie Schade, bleiben liegen, nichts dafür!
Es ging fort auf Pferd und Wagen, nach Befehl der Obrigkeit.
Niemand fand dort einen Retter, der ihm aus der Not befreit.

So ging's fort durch Sturm und Wetter, bis es zu dem Bahnhof kam.
Und dort haben wir gewartet, auf den Zug der Eisenbahn.
Endlich war es aufgeladen, und die Menschheit fuhr dahin.
Und der Weg mit schnellen Schritten, führt uns nach Sibirien hin.

Es ist gar nicht zu beschreiben, diese grosse Traurigkeit,
Jeder lenkt' den Blick nach oben; ach, wann werden wir befreit!
Und zu diesen Trübsalkeiten, kam der Tod mit Riesenschritt.
Kleine Kinder, alte Leute, munge Blüten nahm er mit.

 

Essa canção, traduzida para o português, diz mais ou menos o seguinte:

 

Da Volínia marcharam os banidos pobres e ricos,
Ninguém andou num mar de rosas, agora todos eram iguais.
Domingo cedo, a dez de julho, justamente no tempo da colheita,
Precisaram atravessar a escola da aflição, todas pessoas pobres e ricas

 

Atrelada e sobrecarregada, estaciona a carroça em frente à porta,
Muitas coisas, oh que pena, ficam para trás, nada se pode fazer.
Partiram com cavalo e carroça, sob comando das autoridades,
Ninguém achava ali um libertador, que o socorresse dessa miséria.

 

Assim andaram através de tempestades, até chegar à estação de trem,
Ali esperaram, pela chegada do comboio ferroviário.
Finalmente tudo estava carregado e a multidão partiu dali,
O trajeto a passos largos, levava até a Sibéria.

 

É impossível descrever, essa enorme tristeza,
Cada um dirigiu o olhar para o alto, ah quando seremos libertos.
E além dessa grande aflição, a morte veio a passos largos,
Criancinhas, pessoas idosas, mocidade em flor, a morte levou.

 

Em março de 1917, a revolução que se tornou conhecida como Revolução de Fevereiro (os russos ainda usavam o Calendário Juliano), obrigou o czar Nicolau II a renunciar. Deposto o czar, foi organizado um governo provisório. Nas escolas das colônias alemãs foi novamente permitido o ensino da língua alemã.

Os partidos socialistas se lançaram com euforia numa intensa propaganda entre as massas, prometendo verdadeiras maravilhas para o povo. Os bolchevistas ou bolcheviques, planejaram um golpe para tomar o poder à força e instituir o comunismo no país e conseguiram concretizá-lo a 7 de novembro de 1917. Esse golpe ficou conhecido como a "Revolução de Outubro", pois segundo o calendário russo então vigente, era o dia 25 de outubro. Atacaram os pontos estratégicos de Petrograd (antiga Petersburg) e depuseram o governo provisório. O país estava nas mãos de Lenin. O governo autorizou a pilhagem no país e a apelidou de socialismo. Os camponeses foram organizados em grupos de "Sem Terra", liderados por agitadores bolchevistas. Os lideres encorajavam as massas através de slogans a atacar os burgueses e tomar deles o que bem entendiam. Muitos do povão queriam ter sua parte nesses saques. Estava implantada a anarquia no país.

Os insatisfeitos e desiludidos com o radicalismo dos bolcheviques, começaram a criar centros de resistência em vários pontos do país. Foi criado um exército de voluntários, chamado de "exército branco", mal armado mas muito motivado a derrubar os comunistas. O governo, por sua vez, criou o "exército vermelho" com todo o armamento tomado do exército czarista. Iniciou-se no país uma sangrenta Guerra Civil que se estendeu até o final de 1920.

Enquanto na Europa e América se desenvolviam processos democráticos, a Rússia seguiu pela contramão, implantando a mais violenta ditadura da história da humanidade. Nenhum pensamento contrário à doutrina comunista era tolerado. Acabaram com a liberdade de pensamento e de expressão.

 

O retorno à Volínia.

Em dezembro de 1917 a Rússia obteve um armistício com a Alemanha. As famílias que conseguiram sobreviver ao exílio, receberam autorização para retornar à Volínia no inicio de 1918 em plena época de Guerra Civil. Encontraram a maioria das propriedades ocupadas por invasores e uma grande devastação. Plantações, gado, ferramentas, móveis e equipamentos, tudo que foram obrigados a deixar lá, foi roubado. Aqueles que tiveram sua propriedade invadida pelos "Muzhik", não conseguiram recuperá-las, estes se negavam a sair. "Muzhik", que originalmente significava um pequeno camponês, era usado para designar um grupo de pessoas rudes, ignorantes e preguiçosas.

Gustav e família conseguiram recuperar a propriedade, mas semi-destruída. Trabalharam duro para reformar a casa e o galpão e reorganizar tudo para voltar a plantar. Foi difícil recomeçar por causa dos altos preços. Uma vaca que custava em torno de 50 rublos em 1914 passou a custar 15 vezes mais.

No dia 14 de fevereiro de 1918, o calendário Juliano foi trocado pelo calendário Gregoriano usado no ocidente. Os dias 1 a 13 foram suprimidos, ou seja, o mês de fevereiro simplesmente iniciou no dia 14.

Em 1918 terminou a Primeira Guerra Mundial. O país estava transformado num caos. Por um lado eram bandos de saqueadores invadindo casas e levando o que queriam e de outro lado, o governo confiscava colheitas para alimentar o povo das cidades.

No dia 03 de janeiro de 1919 nasceu Adolf, filho de Gustav e Rosalie Neumann em Granidub na Volínia.

Em fins de 1920 terminou a Guerra Civil com a vitória dos comunistas, pois os Aliados que ajudaram o "exército branco" desistiram.

No início de 1921, Gustav resolveu sair de Granidub e procurar outro local para morar. A família mudou inicialmente para Janowka, a uns 15 km de distância, onde trabalharam alguns meses como zeladores de uma Escola Luterana anexa à Igreja.

Por causa da situação caótica reinante no país, Lenin reimplantou em 1921 uma economia mais liberal, permitindo a fabricação e o comércio particulares em pequena escala. Os camponeses novamente podiam vender sua colheita no mercado livre. Com a alteração na economia, começou a normalização da vida econômica. Assim, Gustav, como muitos outros, acharam que a situação ia melhorar. Soube então da oferta de terras em Catharinoslav (ou Jekaterinoslav, chamada de Dnepropetrovsk após 1926). Eram os Menonitas que estavam abandonando o país e oferecendo as propriedades com todas as instalações a qualquer preço. Gustav decidiu então se mudar para lá. Catharinoslav fica na margem do rio Dnepr, ao sul de Kiev, não muito distante do Mar Negro. Chegando em Catharinoslav, Gustav se agradou de uma propriedade e resolveu adquiri-la. A família se instalou e começou a trabalhar.

 

Catharinoslav

Na região era costume os agricultores se agruparem em pequenos vilarejos onde residiam e as terras que cultivavam ficavam alguns quilômetros afastados. O vilarejo era constituído de uma rua larga e longa, e de cada lado da rua, situavam-se os terrenos com as moradias. Ali viviam em torno de 50 famílias. Cada terreno media de 150 a 200 metros de largura e aproximadamente 500 metros de comprimento.

As terras de Gustav ficavam a mais ou menos 3 quilômetros de distância do terreno onde moravam. No terreno se encontrava uma moradia, jardim com flores, horta e um pomar. Também havia a moradia para os empregados, estábulos para os animais, galpões, silos e diversas máquinas. Como não havia energia elétrica, se usava moinhos de vento e tração animal. A casa onde moravam era muito grande e de dois andares com paredes muito grossas para isolar do frio no rigoroso inverno. Em toda a casa havia aquecimento com grandes fogões de tijolos forrados com azulejos Para iluminação, se usava lampiões de querosene. No telhado era costume fixar uma roda de carroça que servia para as cegonhas fazerem o ninho. Gustav instalou no porão uma fabriqueta de vodka camuflada, pois a fabricação de vodka era proibida pelo governo por causa da escassez do trigo.

Nos fundos do terreno, existia uma floresta, e após a floresta, um cemitério coletivo onde jogavam todos os mortos por epidemias, guerra e revolução numa vala comum e cobriam de terra. Morria tanta gente que não dava tempo para um enterro individual.

Os casamentos na época eram arranjados pelos pais. Gustav escolheu Rudolf Wichmann para ser marido da filha Herta. Rudolf Wichmann nasceu a 22 de setembro de 1897 em Granidub. Casaram a 5 de maio de 1923 e a festa durou alguns dias, com muita vodka. Como dote de casamento, Herta recebeu enxoval e alguns animais domésticos. Rudolf adquiriu uma propriedade no mesmo vilarejo, próximo à moradia de Gustav.

Lenin morreu em janeiro de 1924. Iniciou-se uma grande disputa pelo poder.

No dia 17 de outubro de 1926, nasceu Elfriede, filha de Rudolf e Herta Wichmann.

Entre 1925/1926, a redistribuição de terras atingiu a região. Os agricultores estavam sendo obrigados a entregar as terras sem indenização. As terras confiscadas eram divididas em lotes de aproximadamente 10 a 15 hectares e entregues gratuitamente aos "sem terra".

A família Neumann almoçava após uma manhã dura de trabalho na plantação e comentava alarmada sobre o confisco de terras. Seriam atingidos pela medida por possuírem uma média propriedade. Subitamente, sete policiais invadiram a casa armados de fuzis e puxaram Gustav para fora, atacando-o com bofetadas o jogando-o no chão. Depois de comerem na mesa, acenderam tochas e passaram a atear fogo no paiol, onde havia um estoque de cem sacas de cereais. Partiram após uma série de ameaças. Era o primeiro aviso e o início de várias invasões.

Gustav não escapou do confisco da terra. Só lhe restou ainda a casa com terreno onde moravam. Agora a sobrevivência vinha quase que só da destilaria clandestina de vodka.

O casamento da filha Erna, também foi arranjado por Gustav. O escolhido foi Leonhard Frenzel que veio com uma garrafa de vodka e um mediador para negociar o casamento. Leonhard Frenzel nasceu em Neumanowka na Volinia a 2 de maio de 1895. O casamento, foi realizado em 1926. Como a situação econômica era difícil, a festa foi modesta e não houve dote. Após o casamento, Leonhard e Erna foram morar em Priamur, após as montanhas Baikal, onde Leonhard conseguiu terras numa nova colônia que estava surgindo na região.

Em 1927, Stalin conseguiu apoderar-se do governo. Tratou de eliminar qualquer oposição e impor um controle total sobre o povo. Acabou com a liberdade de movimento, tudo era controlado. Armou uma grande estrutura de repressão, incitando todos a ser informantes. Assim, crianças denunciavam os pais, vizinhos delatavam outros vizinhos, esposas contra maridos e maridos contra esposas. O perigo de ser preso era constante, a qualquer momento, sob acusação ridícula e insignificante e acabar nos campos de trabalho forçado. Queriam transformar o país em uma grande potência a custa desse trabalho escravo.

Em 1928, o governo organizou um grande plano econômico, chamado de Plano Qüinqüenal, com ênfase na indústria pesada e nas fazendas coletivas.

Os habitantes das cidades recebiam fichas de ração. Quem não possuía essas fichas, não recebia comida. Dessa forma, os comunistas tinham o poder de vida e morte sobre os habitantes. Adolf, acompanhando seu pai numa viagem a Kiev, viu filas enormes de pessoas famintas e de aspecto triste, esperando para receber alimentos com suas fichas. A comida era escassa pois os camponeses não se sentiam mais motivados para produzir. Como conseqüência, milhares de pessoas morreram de fome. Como tudo era de todos e ninguém era proprietário de nada, a negligência e o desinteresse tomou conta, deixavam simplesmente tudo cair aos pedaços.

No dia 14 de abril de 1929, nasceu Erwin, filho de Rudolf e Herta Wichmann.

 

De Catharinoslav a Wladiwostok

As famílias Neumann e Wichmann, que já foram atingidos pelo confisco na redistribuição de terras, ainda estavam morando no terreno em Catharinoslav, mas a situação estava insuportável. As altas taxas impostas pelo governo, as proibições de culto nas igrejas, as freqüentes invasões da policia, ameaças de prisão, fizeram Gustav ver que não podiam mais continuar ali. A formação das fazendas coletivas já estava começando a se concretizar na região também, não havia mais o que fazer, várias famílias já foram forçadas pela policia para as fazendas coletivas, ninguém sabia quem seria o próximo.

As fronteiras eram fechadas com arame farpado. Guardas tentavam impedir que o povo fugisse. Se o comunismo fosse tão bom como diziam, porque as pessoas fugiam desesperadas, abandonando tudo? Onde atravessar a fronteira? De Catharinoslav, descendo o rio Dnepr até o Mar Negro, não seria longe, mas todos os portos eram controlados. Retirar dinheiro do banco, era inviável por causa da polícia que vigiava tudo, precisavam se contentar com o que estava guardado em casa.

Era inicio de dezembro de 1930. Uma grande tristeza invadiu a todos. Muitas vezes já se tinha falado que era necessário fugir do país, mas agora havia chegado o momento. Como era duro juntar algumas coisas para levar e abandonar o resto. Parecia tudo um pesadelo. Era um dia terrivelmente frio e os dedos ficavam gelados com o vento e a neve. Gustav atrelou de noite dois cavalos à carroça e Rosalie com as crianças ajudaram a carregá-la. O mesmo fizeram Rudolf e Herta com os filhos Elfriede e Erwin. Erwin estava com apenas 1 ano e 8 meses. Na pressa que a situação exigia, somente pegaram as coisas mais essenciais como roupas, travesseiros, cobertores, documentos, fotos, alguma louça, comida e principalmente vodka. Rosalie ainda se lembrou de levar um saco cheio de açúcar em forma de cubinhos para matar a fome, caso não conseguissem alimentos pelo caminho. Juntaram todo o dinheiro guardado em casa.

Não havia tempo para pensar. Ficaria a casa com todas as instalações, o gado no curral, as plantações, máquinas, móveis, utensílios domésticos, tudo. Com os corações pesados, tristes, lágrimas nos olhos, ainda deram um último adeus àquele lugar que lhes era tão caro. Ainda queriam levar junto uma última imagem daquele pequeno vilarejo onde viveram tanto tempo, onde as crianças nasceram e cresceram, onde viveram os amigos e parentes. Tudo que conquistaram com tanto sacrifício agora tinha que ser deixado para trás, não havia mais outra solução, ninguém queria cair nas mãos dos bolcheviques.

O destino era Moscou. A família Wichmann seguiu numa carroça separada. Antes do amanhecer, partiram dali. Estavam subindo uma colina quando surgiram os primeiros raios de sol, dali ainda conseguiram vislumbrar ao longe, pela última vez, o vilarejo que abandonavam para sempre ... muito difícil segurar as lágrimas. Sabiam que a jornada seria difícil e perigosa mas confiaram na companhia de Deus. Seguiram de vilarejo em vilarejo. Encontraram muitas casas abandonadas onde, enquanto os homens se ocupavam dos cavalos, as mulheres preparavam uma refeição com o que encontravam. Com as carroças sobrecarregadas, avançavam lentamente. Em alguns rios, havia estreitas pontes de madeira, que felizmente agüentaram o peso. A viagem era péssima, as estradas cheias de pedras. Após alguns dias de chuva tudo era barro escorregadio, ficavam encharcados da chuva e sujos de lama. As vezes era difícil encontrar abrigo ou alimento para os cavalos. Era necessário que alguém pernoitasse junto à carroça para que esta ou os cavalos, não fossem roubados. Dependendo do tempo e da estrada, conseguiam avançar de 20 a 50 quilômetros por dia.

Ao chegar em Moscou, Gustav investigou cuidadosamente por onde poderia atravessar a fronteira. Todo o cuidado era pouco para não levantar suspeita de fuga. Não abraçar o "evangelho" comunista era considerado um crime hediondo. Gustav aproveitou o fato de os russos serem viciados em vodka para embebedá-los e obter informações. O único lugar onde ainda era possível atravessar a fronteira, era na outra extremidade do país. A fuga só poderia ser feita no inverno atravessando a pé os rios congelados na fronteira com a China.

Gustav foi comprar as passagens na estação. Transferiram as coisas da carroça para o trem e embarcaram. A carroça com os cavalos foi abandonada na estação, como não possuía placa de identificação, também não havia perigo de descobrirem o dono.

Na viagem, passaram pelo Rio Volga, pela cidade de Orenburg e atravessaram os brancos montes Urais, constituídos principalmente de mármore e calcário, sem túneis. Passaram por Omsk e Tomsk. Chegaram a Novosibirk. Ali precisaram trocar de trem. A próxima parada foi em Irkutsk, perto do lago Baikal e antes dos montes Baikal. Pararam ali alguns dias para esperar o próximo trem do outro lado do rio.

Atravessaram os montes Baikal, uma formação rochosa, com mais de 50 túneis. Chegaram a Tchita, ali havia uma nova bifurcação. Um caminho passava pela China, mas não era possível atravessar a fronteira ali, tomaram então o outro rumo. Após as montanhas, chegaram a Priamur. Priamur é uma nova colônia onde Erna Neumann foi morar com Leonhard Frenzel após o casamento.

Leonhard Frenzel não quis acompanhar a família em fuga, pois além de um desentendimento com o sogro, ele disse que queria resolver alguns assuntos com um amigo de nome Pastoschenko. Também não permitiu que Erna seguisse com os pais, sob ameaça de denunciá-los. Erna desistiu. As famílias Neumann e Wichmann seguiram para Khabarovsk. Ali o trem se dirigia para o sul, em direção à última estação, Wladiwostok.

Em Wladiwostok, ocuparam uma casa abandonada, totalmente mobiliada, afastado da cidade. A casa, com a calefação desligada, estava gelada, podia-se tirar camadas de neve por cima dos móveis, do teto pendiam pingentes de gelo, parecendo estalactites numa caverna. Em volta da casa havia um campo e muitos lobos, estes uivavam de forma sinistra. Um pouco adiante ficava a mata virgem, ali os lobos não se arriscavam a entrar por causa dos ursos.

Gustav arrumou serviço na chácara de uma família para ganhar dinheiro e alimentos e cautelosamente foi se informando sobre a travessia da fronteira. Descobriu uma outra casa abandonada e completamente mobiliada mais perto da fronteira, entre Slawjanka e Kraskino e se mudaram para lá.

Sempre usando o artifício da vodka, Gustav conversava com as pessoas e conseguiu localizar guias dispostas a ajudar na travessia da fronteira. A fuga devia ser feita no meio da noite por causa do policiamento.

 

Atravessando a Fronteira para a China.

Os fugitivos providenciaram trenós e amarraram sobre eles o que conseguiam levar em roupa, comida e cobertor de penas de ganso. Esses trenós eram puxados através da neve. Os guias contratados eram uns rapazes de 15 a 16 anos, regiamente pagos, que juntavam um grupo de famílias e exigiam dinheiro adiantado.

Saíram a pé no meio da noite e no dia seguinte ao anoitecer chegaram na fronteira da China. Era horrivelmente frio. Os guias sempre corriam na frente e o grupo os acompanhavam pelas pegadas na neve, quem não agüentava a corrida, ficava para trás. Junto à fronteira, havia montes de neve acumulada. Esconderam-se ali para aguardar a passagem da polícia, que vinha em dupla a cavalo e armados com ordem para atirar. Assim que a policia passou e se afastou, desataram a correr, puxando os trenós. Atravessaram um rio congelado e alcançaram o lado chinês. Assim que atravessaram a fronteira, os guias sumiram. Finalmente livres do "paraíso" comunista. No lado chinês, continuaram a caminhada no gelo. Só encontraram fazendas, com plantação de arroz.

Alguns quilômetros após a travessia da fronteira, foram interceptados pela polícia chinesa armada com fuzis. Eles mandaram o grupo de refugiados se alinhar, um ao lado do outro. Rudolf se dirigiu a Herta e falou "Herta, hoje vai ser o nosso fim", mas Herta respondeu "Não, Deus nos guardou e nos trouxe milagrosamente até aqui, apesar de todas as provações, e também vai nos guardar das mãos desses homens. Confio que Ele não vai nos abandonar agora." Ao ouvir isso, Rudolf baixou a cabeça e não falou mais nada. Quando a polícia ergueu as armas e as aprontou para atirar, as crianças começaram a gritar e chorar. Quando eles ouviram os gritos e choros das crianças, se impressionaram e se compadeceram delas, baixaram as armas e disseram "suba, suba" que significa "vão embora, vão embora". E assim milagrosamente se livraram da morte.

Depois que escaparam da polícia chinesa, foi a luta para conseguir pernoite e comida nas casas das fazendas que encontravam pelo caminho. Em alguns lugares receberam comida e lugar para dormir e se lavar. Todas as casas onde eram acolhidos tinham aquecimento. As camas eram feitas de tijolos e embaixo era oco onde se fazia fogo para mantê-las aquecidas.

Andaram a pé até a primeira estação de trem dentro da China, que, pelo mapa, vê-se que era Onsong. Ali foram acolhidos num hotel cujo dono era russo.

 

Na China

Como chegar até Harbin, se não possuíam dinheiro para comprar passagens? Um do grupo teve uma idéia. Foi até a estação pedindo informações sobre como enviar uma carga até Harbin. O homem da estação explicou qual o trem, o horário e até que estação ele iria. Quando o trem chegou, um do grupo foi procurar um vagão vazio onde eles se acomodaram. O trem partiu. Quando chegaram na estação indicada, abriam a porta e pularam fora com cuidado para não serem vistos.

A mesma coisa foi feita em outra estação, sempre procurando um vagão vazio para se esconder. Dessa forma, conseguiram chegar até Harbin. No caminho, encontravam cada vez mais fugitivos do comunismo, mais companheiros do infortúnio. Todos se ajudavam como podiam.

 

Numa das estações em que tiveram que trocar de trem novamente, um do grupo, veio correndo para avisar que encontrou um vagão com um monte de palha em um canto. Era palha usada para envolver as garrafas de vinho como proteção. Ele falou "essa noite não vamos passar frio". Embarcaram nesse vagão e de noite, colocaram a palha no meio e atearam fogo. Ninguém lembrou que o chão era de madeira. A única alternativa era pular do vagão em fogo. Caminharam a pé até encontrar uma casa. Era de uma família russa que os acolheu para o pernoite. No dia seguinte seguiram viagem a pé até a próxima estação de trem.

 

A vida em Harbin, China.

Ao chegar em Harbin, entre fevereiro/março de 1931, foram procurar um local para se abrigar. Souberam que foi organizado um albergue para os refugiados, chamado em russo de "Obsigitil".

Era um terreno enorme rodeado por muros. No meio havia um pátio grande e em volta, contornando o terreno, uma construção de tijolos. Essa construção era formada de um quarto ao lado do outro, tendo cada um uma porta e uma janela. Cada um desses quartos era uma moradia contendo muitas camas. Na parte frontal do terreno ficava um casarão de 3 andares onde também havia quartos para os refugiados. As construções eram de tijolos com portas grossas para isolar do frio. À medida que vinham mais refugiados, juntavam duas a três famílias em cada moradia.

Os adultos trabalhavam e as crianças iam na escola, onde também recebiam merenda. A escola foi improvisada na parte térrea do casarão, onde existia uma sala muito grande equipada com bancos. Ali, Reinhold Holz, também refugiado da Rússia, dava aulas para as crianças, em alemão.

As mulheres geralmente trabalhavam em casas de família e só tinham folga algumas horas durante a tarde de domingo. Os homens trabalhavam nas construções, jardinagem, zeladoria da "obsigitel", etc.

Em 1931, os japoneses atacaram Harbin de avião. As bombas caíam, parecendo trovões. Os chineses conseguiram abater um deles. Vários dos refugiados, se aproximaram do avião abatido, nisso ele explodiu matando alguns dos curiosos. A cidade de Harbin estava cheia de soldados japoneses que ocupavam um quartel chinês perto de onde os refugiados moravam. Vários dos refugiados vasculhavam a redondeza procurando armas e munições espalhados durante o ataque, pois os japoneses ofereceram dinheiro em troca desse material. Um dos refugiados, de sobrenome Lange, ao remexer num terreno em busca do material bélico, perdeu a vida ao pisar numa bomba que explodiu.

Destino dos Frenzel

Um dia após a passagem das famílias Neumann e Wichmann por Priamur, quando Leonhard não quis acompanhá-los, a policia invadiu a casa dos Frenzel, submetendo-os a uma seção de tortura. Os soldados mandavam Erna correr e atiravam rente aos seus pés. Leonhard foi esbofeteado e jogado na lama. Leonhard e vários outros homens foram presos e colocados na cadeia. Leonhard foi condenado a fuzilamento.

Erna, seu filho Edward de 11 meses e o sogro, e muitas outras pessoas, foram jogadas num trem de carga e enviados para trabalhar nas plantações da Sibéria. O trem, geralmente usado para transportar gado, era sujo, frio, desconfortável e sobrecarregado de gente, tanto adultos quanto crianças. Era inverno, muitos morriam pelo caminho de fome e de frio.

 

Escapada de Leonhard Frenzel

No presídio, Leonhard foi designado para trabalhar na marcenaria junto com um amigo de nome Pastoschenko, com o qual planejou fugir dali. No fim de um dia de trabalho, os dois se esconderam na serragem Depois que todos os outros saíram do prédio, quebraram o vidro de uma pequena janela e passaram por ali. Leonhard sofreu cortes profundos nos dedos da mão direita. Pularam o muro com auxilio de uma longa vara e fugiram para o mato. Foram perseguidos por guardas e cães, mas milagrosamente escaparam. Ouviram os latidos ao longe. Dali, os dois andaram a pé vários dias, até um vilarejo próximo onde Leonhard teve a ponta dos dois dedos médios da mão direita amputados pois havia risco de gangrena. Dali seguiram até uma estação de trem e embarcaram com destino a Wladiwostok onde atravessaram a fronteira também auxiliados por guias pagos. Finalmente também chegaram em Harbin, constando na lista de censo de 14 de dezembro de 1931.

 

Erna na Sibéria

O trem, no qual eram levados para a Sibéria, era muito frio e a viagem durou muitos dias. Estavam famintos e imundos, não recebiam água nem para lavar o rosto. De vez em quando recebiam apenas um pedaço de pão seco e um pouco de água para beber. O sogro de Erna não resistiu ao frio e fome, faleceu de joelhos orando na madrugada. Na manhã seguinte, os guardas o jogaram para fora do trem, na neve. A criança de 11 meses sugava inutilmente os seios da mãe desnutrida e foi pouco a pouco desfalecendo e esfriando em seus braços. Para que não o jogassem pela janela, Erna segurou-o junto ao corpo durante três dias, fazendo de conta que estava dando de mamar. Queria pelo menos dar um enterro decente a seu filho.

Da estação de trem até a fazenda coletiva, o grupo foi levado de carroça. Ao chegar na fazenda, Erna enterrou seu filho. Como carregou tantos dias a criança gelada junto ao corpo, quase morreu de pneumonia.

Cada família recebeu como moradia, um quarto no grande casarão da fazenda. Como Erna estava sozinha, uma família de alemães convidou-a a morar com eles. A legião de mulheres e crianças foi forçada a trabalhar nas roças das fazendas coletivas. A jornada começava antes do amanhecer e sempre terminava à noite. Havia um gerente que tomava nota de tudo e distribuía uma ração diária conforme a produção de cada um. Esse gerente era destacado para a organização dos trabalhos pela sua fidelidade ao regime, fanatismo e capacidade de forçar os camponeses a trabalhar.

 

Fuga de Erna da fazenda coletiva na Sibéria.

Erna ficou nos campos de trabalho forçado de fins de dezembro de 1930 até o início de 1932, quando finalmente se encorajou a fugir. Juntou algumas roupas e um pouco de comida e fugiu de madrugada pela janela enquanto os outros dormiam. Passou pela cerca de arame farpado andando a pé até a estação de trem. Embarcou e voltou a Priamur. Procurou pelo marido mas não o encontrou. No correio havia uma carta de sua mãe que estava na China e não sabia o que havia acontecido com Erna. Disposta a resistir e reencontrar os familiares, Erna embarcou no trem para Wladiwostok. Em Wladiwostok, trabalhou na casa de uma família enquanto procurava uma forma de fazer a travessia para a China. Da mesma forma como seus pais, Erna atravessou a fronteira a pé sobre o rio congelado orientada por guias.

Na China, Erna encontrou um senhor de sobrenome Ickert, dono de uma loja em Harbin que fazia transporte entre Harbin e a fronteira com a Rússia. Este deu carona para Erna que já não agüentava mais caminhar. Em sua carroça, cheia de tonéis de cal vazios, Erna entrou em um deles. Assim ela conseguiu viajar um bom trecho. Quando saiu do tonel, estava totalmente branca de cal, parecia um fantasma.

Finalmente Erna alcançou Harbin entre março/abril de 1932. Estava caminhando desnorteada na rua à procura de um lugar para se hospedar quando repentinamente encontrou seu pai. Foi uma cena indescritível. Ele a levou para junto dos outros familiares. O reencontro foi uma verdadeira festa.

 

Saída de Harbin em 1932

O número de refugiados aumentava. O Pastor Kastler da Igreja Luterana em Harbin, apelou para o presidente do Comitê da Convenção Mundial Luterana, Dr. John A. Morehead em busca de uma solução para o problema. A situação era desesperadora pois a China queria devolver os refugiados ao país de origem. O Dr. Morehead se jogou de corpo e alma nessa tarefa para conseguir os fundos, navio e um país para transferir o grupo. O mundo estava afundado numa grande depressão econômica após a famosa queda das Bolsas de New York em outubro de 1929, tornando tudo muito mais difícil. Após muitas tentativas, em meados de março de 1932 veio uma resposta de São Paulo para colonização e compra de terras no estado do Paraná. Começaram as negociações para transporte e aquisição de terras. Mais detalhes sobre esse assunto são muito bem apresentados por Virginia Less na Internet no endereço:

http://feefhs.org/fij/harbin.html
THE HARBIN, CHINA LUTHERAN REFUGEES.

 A Evangelical Lutheran Church for Manchuria em Harbin emitiu a 23 de Abril de 1932 um documento do Commitee for relief "Brethren in Need" certificando que Gustav, Rosalie, Ewald e Adolf Neumann estavam na lista dos viajantes para o Brasil. Um documento semelhante, na mesma data, foi emitido para Leonhard e Erna Frenzel.

Com o documento em mãos, as famílias Neumann e Frenzel junto com o grupo de refugiados, embarcaram no trem em Harbin no dia 2 de maio de 1932 às 21 horas e 45 minutos. Na manhã seguinte, às 7 horas e 20 minutos fizeram baldeação em Chang-Chun. Foram até Lü-shin (ou Port Arthur) no golfo de Liao-Tung, onde embarcaram num navio japonês para atravessar o Mar Amarelo até o porto de Yen-tai. Esse navio japonês era pequeno e o grupo de refugiados ficou praticamente como sardinhas em lata. As condições de higiene eram deficientes.

No porto de Yen-tai, embarcaram em um trem para chegar ao porto de Shanghai. No dia 7 de maio de 1932, embarcaram no vapor de nome Porthos.

Os refugiados foram agrupadas em 83 famílias. Os que viajavam sozinhos eram incluídos como adotivos (Pflegesohn/Pflegetochter) pelas outras famílias. No caso de Gustav, ficou sob sua responsabilidade dois rapazes, Erich Drude com 19 anos e Jonatan Wotzke com 33 anos na época.

Partindo de Shanghai, o vapor seguiu pelo estreito de Formosa parando em Hong Kong. Continuaram viagem pelo Mar da China, pararam ainda em Saigon e Cingapura. Seguiram pelo Oceano Indico, Mar da Arábia, Mar Vermelho. Atravessaram o Canal de Suez, Mar Mediterrâneo até o porto de Marselha na França onde chegaram a 11 de Junho de 1932.

De Marselha, viajaram de trem até o porto de Bordeaux - junto ao Oceano Atlântico - onde embarcaram em um navio francês de nome Lipari pertencente à companhia Chargeurs Réunis, no dia 12 de Junho de 1932. Chegaram no Rio de Janeiro, recebendo carimbo de entrada no Brasil no dia 28 de junho de 1932. Foram albergados por 8 dias na Ilha das Flores no Rio de Janeiro em quarentena.

A família Wichmann ficou para trás. Somente a 15 de março de 1934, o Consulado Alemão em Harbin emitiu um passaporte especial para que Rudolf, Herta, Elfriede e Erwin Wichmann pudessem emigrar para o Brasil. No dia 6 de abril de 1934 receberam visto pelo Consulado geral do Brasil em Shanghai e embarcaram com destino à França. O nome do navio era o S.S. "Dairen Maru" pertencente à companhia D.K.K. Dairen-Tsingtao-Shanghai Liner. Desembarcaram no Rio de Janeiro a 30 de maio de 1934.

 

Do Rio de Janeiro a Santa Catarina

No Rio de Janeiro, os agora imigrantes, embarcaram em um navio brasileiro a 7 de julho de 1932 com destino a Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. De Porto Alegre seguiram de trem até Iraí e atravessaram o Rio Uruguai de balsa. Do outro lado do rio, se deslocaram até um local onde havia uma enorme construção na qual as famílias foram hospedadas enquanto esperavam a demarcação de suas terras.

As famílias Neumann e Frenzel receberam lotes de terra, uma ao lado da outra, em Maracujá, bem junto a um rio de nome Iracema, a mais ou menos 30 quilômetros de distância do Rio Uruguai. Cada um recebeu também roupas, cobertores, talheres, louça, sementes, ferramentas, uma lona, um fogão a lenha e um pouco de dinheiro para se instalar e viver até plantar e colher.

Como não havia casa no lugar, se acomodaram inicialmente embaixo de uma árvore frondosa. Durante três meses, dormiram numa esteira de taquaras fixada entre os galhos de uma árvore enquanto iam construindo uma cabana. Quando chovia, estendiam a lona. Para subir na árvore, pregaram galhos atravessados no tronco para servir como escada. Erna contou que pouco abaixo da cama improvisada, ela encontrou um ninho de cobras. Embaixo, no chão, improvisaram uma cozinha. Os macacos sempre apareciam para roubar comida. Uns dias depois, um bando de bugres destruiu o acampamento e roubou talheres, louças e outros objetos.

Construíram uma cabana de galhos de árvore coberta por palha e um galpão rústico de torras de madeira que servia de igreja. Uma enorme árvore foi cortada e tombada sobre o rio Iracema para servir de ponte.

Cada família tinha por obrigação trabalhar uma semana gratuitamente na construção e manutenção de uma picada para o acesso às terras. Essa picada era bem estreita, só dava para passagem a cavalo.

Por ser floresta virgem, existia tudo que é tipo de insetos. Mosquitos, aranhas venenosas do tamanho de uma mão e cobras por todo o lado. Ao anoitecer, junto ao rio, as cobras ficavam empilhadas encima das pedras ainda aquecidas do sol. Quando precisavam buscar água ao entardecer, iam várias pessoas carregando baldes e paus para se defender das cobras.

Ewald estava dormindo quando de repente Adolf viu uma cobra jararaca descendo do teto da cabana, ele gritou e Ewald, assustado levantou de um pulo. Nisso a cobra caiu justamente onde Ewald estava deitado segundos antes. Escapou por pouco.

A vida era difícil, o trabalho árduo. Gustav levou dois sacos de milho colhidos, sobre o lombo do cavalo para trocar por outros mantimentos em Irai, mas a despesa com a barca ida e volta custou metade do milho. Noutra ocasião, Gustav foi para a vila vender ovos, ninguém queria comprar pois tinham suas próprias galinhas.

Após mais ou menos um ano de permanência no local, Gustav concluiu que não havia condições para continuar ali. Os agricultores trabalhavam duro, quando conseguiam vender algum produto não recebiam quase nada mas pagavam caro por qualquer coisa que precisavam adquirir. Juntaram então seus pertences e abandonaram a terra dirigindo-se para Ijuí. Muitos outros fizeram a mesma coisa. Depois de Ijuí, mudaram para Porto Alegre, a capital do estado do Rio Grande do Sul, onde as possibilidades eram maiores. Todos que resolveram mudar para Porto Alegre conseguiram progredir.

 

Alguns não escaparam

Nem todos da família conseguiram escapar a tempo. Alguns parentes ficaram na Ucrânia. Houve troca de cartas onde contavam apavorados sobre o confisco de alimentos "querem nos matar de fome". A última carta que ainda conseguiram enviar em 1932, foi um verdadeiro grito de desespero "não temos mais o que comer, levaram nossa última vaca". O contato cessou, só restou o silêncio. Sobreviveram alguns dos parentes? Até hoje não temos a resposta!

O que ocorreu na Ucrânia foi um grande genocídio planejado no período de 1932 – 1933 por Stalin que resolveu revidar com o terror à resistência oferecida pelos camponeses ao trabalho nas fazendas coletivas. Confiscaram os alimentos e as tropas do exército bloquearam todas as estradas e linhas férreas. Nada e ninguém entrava ou saia dali. Stalin enviou seu servo devoto, o fanático Lazar Kaganovitch para destruir a última resistência dos camponeses. Kaganovitch, um dos maiores assassinos soviéticos, supervisionou a grande chacina.

O povo comeu animais de estimação, capim, casca e raízes de árvore e quando isso acabou, sucumbiram. Muitas colônias desapareceram, pois o povo morreu de fome e nada mais sobrou, somente ruínas. Diariamente os comunistas chegavam com carroças e recolhiam as pessoas caídas no chão, algumas mortas, outras ainda não e, simplesmente as enterravam em uma vala comum.

O holocausto na Ucrânia, que eliminou em torno de 9 milhões de pessoas entre 1932 – 1933 é pouco divulgado e o extermínio de milhões por Stalin e seus capangas, por estranho que pareça, continua impune. Nenhum dos assassinos soviéticos que cometeram aquele holocausto monumental jamais foram julgados. Lazar Kaganovitch morreu tranqüilamente em Moscou alguns anos atrás, ainda usando suas medalhas e usufruindo uma generosa aposentadoria do estado. Os esquerdistas, com sua teologia marxista, tem suas raízes ideológicas e históricas entrelaçadas com esse grande crime que foi a máquina de extermínio em massa de Stalin.

Foram martirizadas e mortas na União Soviética de 1917 a 1991, quando o comunismo finalmente caiu, em torno de 120 milhões de pessoas. Esses números foram revelados para o ocidente através de Alexander Solzhenitsyn e outros historiadores.

 

Conclusão

Acho que não existe em nenhuma língua, palavras para exprimir a angústia vivida por aqueles que precisaram abandonar tudo e fugir na madrugada, para escapar do terror e escravidão comunista que destruiu um majestoso país. Meus avós lembravam do país de onde vieram com muita tristeza. Minha avó chorava muito. Meu avô nos seus últimos anos de vida, vivia vagando pelo quintal de um lado a outro, triste, o olhar perdido no horizonte, calado, como se quisesse trazer para junto de si as lembranças do lugar onde havia nascido e se criado e o qual foi obrigado a abandonar de forma tão estúpida. Saudades! Só sobrou as lembranças de um lugar que nunca mais veria.

A coragem e determinação dos avós em abandonar tudo, enfrentar o perigo rumo ao desconhecido, de encontro a um futuro incerto, sem saber se escapariam com vida, premiou seus descendentes com a liberdade e com a oportunidade de uma vida melhor. Queira Deus que no Brasil nunca aconteça algo semelhante para que a corajosa resolução tomada pelos nossos avós e o voto de confiança por eles depositados nesse país que os acolheu, não tenha sido em vão.

"Grandes cousas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres." - Salmo 126:3

Próximo assunto - - >

Imigração no RS e Brasil

 

INICIO     CULTOS      REFLEXÕES     LUTERANISMO      IMIGRAÇÃO     ANTEPASSADOS      IGREJINHA MARTIN LUTHER      ORGAO DE TUBOS

CALENDÁRIO     COMO FAZER PARA     OBJETIVO     GESTÃO      PASTORAL      FILANTROPIA       GRUPOS      CATEQUESE     RÁDIO E TV

  Conheça mais sobre Luteranos no Mundo: ALEMANHA  EUA  AUSTRÁLIA
Luteranos Brasil - Rádio     Editora Sinodal     Comissão Interluterana de Literatura   Lutherstadt Wittenberg

Paróquia Martin Luther - Comunidade Evangélica de Porto Alegre - CEPA
Filiada a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB
e ao
Sínodo Rio dos Sinos - SRS

Rua Cel. Camisão, 30 - 90540-050 - PORTO ALEGRE/RS - BRASIL

   Criado em abr/1998