NOSSAS ORIGENS
Pastor Godofredo Boll
Comunidade Evangélica de Porto Alegre -
CEPA / IECLB
O DIFÍCIL COMEÇO
Expulsos pelas
dificuldades de sua pátria, os imigrantes encontraram novos problemas no Brasil Império
Na primeira fase da imigração alemã ao sul do Brasil, entre 1824 e 1830, cerca de 40
navios atravessaram o Atlântico. Desses veleiros desembarcaram aproximadamente cinco mil
pessoas. As viagens eram longas e penosas, e até alguns naufrágios foram registrados.
Levava-se cerca de cem dias para cruzar o oceano. As primeiras luzes dos portos
brasileiros eram saudadas com entusiasmo e a descida à terra merecia muita comemoração.
Expulsos de seu quinhão pelas dificuldades
que a Europa vivia, os imigrantes passaram a não ser bem-vindos também em terras
brasileiras. Depois da primeira leva de emigrantes em 1824, em 1830, entraram no Rio
Grande do Sul apenas 117 pessoas e nos anos seguintes a imigração parou. No final de
1830, o imperador Dom Pedro I vedou qualquer subvenção à entrada de estrangeiros. E, em
1835, explodiu a Revolução Farroupilha, que por dez longos anos interrompeu a
imigração. As novas levas de estrangeiros só chegariam com o final dessa guerra, em
1845.
Inicialmente, os imigrantes alemães se
estabeleceram ao norte do Rio dos Sinos, avançando depois ao longo dos vales do Caí e
Taquari.
Havia forte presença de evangélicos em
cidades como São Leopoldo, Campo Bom e Nova Petrópolis. De Porto Alegre a Linha Santa
Cruz (atual município de Santa Cruz do Sul), estendeu-se uma faixa de comunidades,
geralmente pequenas, com templos modestos, onde as pessoas se reuniam aos domingos para
batizar os filhos e ouvir a palavra de Deus.
O Império brasileiro, no entanto, fazia
restrições às práticas evangélicas. A Constituição de 1824 determinava, em seu
artigo 5º, que o catolicismo era a religião oficial do Estado. Isso significava, por
exemplo, que só católicos podiam ser eleitos ou nomeados para cargos públicos, ou que
apenas as suas comunidades recebiam verbas públicas.
Os evangélicos não podiam enterrar seus
mortos nos cemitérios católicos e eram obrigados a conseguir cemitérios próprios, o
que nem sempre era fácil.
Ao longo do século XIX, muitos conflitos
foram gerados para reverter essa situação, e somente em 1863 o governo imperial concedeu
aos pastores evangélicos devidamente registrados os mesmos direitos de que gozavam os
católicos quanto ao registro de nascimento, casamentos e óbitos. Nessa época, as
comunidades evangélicas somavam cerca de 25 mil membros no Rio Grande do Sul.
A proclamação da República, em novembro
de 1889, ajudou a impulsionar a obtenção de conquistas há muito desejadas: oficiar
cultos em plena liberdade, fazer o registro civil e possuir cemitérios públicos - tudo
isso sem o medo de sofrer multas e perseguições, como antes.
1856: NASCE A COMUNIDADE
EVANGÉLICA DE PORTO ALEGRE
O templo só ganhou torre e
sinos quase quarenta anos depois de sua construção
Em 1856, viviam em Porto Alegre cerca de 3 mil imigrantes
e descendentes de alemães. Aproximadamente a metade destes era evangélicas, e muitos, a
essa altura, já estavam, deixando para trás a sua primeira moradia. Tinham se
transformado em comerciantes que vinham com freqüência à capital e para ela acabaram se
mudando. Como protestantes num império constitucionalmente católico, a eles era
permitido praticar o seu credo em cultos domésticos e em prédios apropriados, ou seja,
sem identificação externa. As capelas, portanto, não possuíam torres ou sinos.
Os evangélicos de Porto Alegre
resolveram que era chegada a hora de se organizar. Em 17 de fevereiro de 1856, fundaram a
sua Comunidade Evangélica, sendo o seu primeiro pastor Erdmann Wolfran. No dia 24 daquele
mês, solicitaram ao presidente da província, o Barão de Muritiba, licença para que
pudessem celebrar as "cerimônias do seu rito". Esse documento, ainda hoje nos
arquivos da C.E.P.A., é, por assim dizer, a "certidão de batismo" da igreja
evangélica na cidade. Diz ele:
"Os protestantes residentes nesta
capital, desejando celebrar com mais regularidade os santos ofícios de sua religião,
reuniram-se hoje em grande assembléia e resolveram formar uma comunidade evangélica,
como o seu culto doméstico ou particular que terá lugar todos os domingos e dias santos,
no templo provisório, estabelecido na casa nº 47 da Rua Nova da Praia, sob a direção
do reverendo pastor evangélico Erdmann Wolfram e dos abaixo assinados mesários que
todos, por voto unânime da mesma assembléia, foram eleitos para esse fim, e, já que a
Constituição Política do Império permite e tolera o exercício de todas as religiões,
vêm os abaixo-assinados, como representantes e órgãos da referida comunidade, antes V.
Exa. Solicitando, em nome dela, a alta aprovação e licença de V. Exa. Para que ela
possa continuar a celebrar as cerimônias do seu rito na forma expressada."
A licença foi concedida pelo barão
em 1º de março, sendo, porém, "proibido aos pastores fazerem casamentos de
católicos com protestantes, pois que só podem ser feitos por sacerdote católico,
autorizado para isso com licença do ordinário."
Segundo o historiador Sérgio da Costa
Franco, eram 49 as famílias que estruturaram a C.E.P.A.. Outro conceituado historiador
porto-alegrense, Leandro Telles, ressalta que neste grupo havia nomes como Phillip von
Normann, que chegara ao Rio Grande do Sul em 1848 e foi o primeiro presidente da
recém-fundada comunidade. Normann ergueu uma das mais importantes edificações da
capital, o Theatro São Pedro, em 1858, e também deixou seu nome registrado como o
primeiro professor da comunidade.
O primeiro local de reuniões das famílias
evangélicas foi uma "casa de oração" localizada na Rua Nova da Praia, atual
avenida Sete de Setembro, mas já se procurava um lugar para a futura sede. Num terreno
adquirido na rua Senhor dos Passos construiu-se a igreja, que, ainda sem poder ter a forma
extrema de templo, foi inaugurada em 8 de janeiro de 1865.
A torre só pode ser erguida depois da
proclamação da República, em 1889, quando a Constituição brasileira determinou a
separação entre Igreja e Estado.
No dia 7 de setembro de 1902 a torre em
estilo gótico foi inaugurada, e três anos depois, em julho de 1905, os sinos receberam a
consagração. A Paróquia Matriz de Porto Alegre finalmente ganhava a feição com a qual
se manteria até a década de 60.
A FORÇA DO ESPÍRITO COMUNITÁRIO
A comunidade Evangélica
nasce do desejo dos membros, e não por iniciativa de autoridades eclesiásticas
Somente 32 anos após a chegada dos primeiros imigrantes constitui-se a Deutsche
Evangelische Gemeinde de Porto Alegre, em 1856. Notável é que esse fato aconteceu por
iniciativa dos próprios evangélicos, e não de um missionário ou autoridade
eclesiástica. Manifesta-se assim um forte espírito comunitário ou gregário de
"comunidade alemã".
Dois anos depois foi fundada a
Associação Beneficente Alemã, Deutscher Hilfsverein, que mais tarde se transformou em
Associação Beneficente Educacional (ABE), mantenedora do Colégio Farroupilha.
A ABE de então destinava-se a suprir as
necessidades básicas da comunidade alemã, como escola, igreja, hospital, clubes,
assistência social e profissional e cemitério. Noventa por cento dos membros da
Associação eram evangélicos, muitos sem confissão definida e portanto abertos a todos
os credos.
Predominavam idéias de liberalismo e
também da maçonaria alemã. Os líderes eram muitas vezes os mesmos que dirigiam a
Comunidade Evangélica, a Associação, o Colégio Hilfsvereinschule, o clube e o
hospital. O influente jornalista Carl von Koseritz propunha o progresso da civilização e
o germanismo local. Nesse contexto cabia à comunidade reunir os evangélicos, construir
sua igreja, manter a escola e o cemitério e convocar um pastor capaz de orientar este
povo de acordo com o Evangelho.
Essa tarefa não foi fácil devido à falta
de pastores e líderes preparados e capacitados. Só em 1911, a Igreja de Porto Alegre
filiou-se ao Sínodo Rio-grandense, que havia sido fundado em 1886 e congregava as
comunidades evangélicas alemãs num corpo eclesiástico de orientação comum nos
fundamentos da Reforma Luterana.
Durante a I Guerra Mundial houve uma
estagnação das atividades da Comunidade, bem como nas outras organizações de origem
germânica. No entanto, os cultos e ofícios religiosos continuavam sendo realizados. No
ano de 1914 veio à Igreja da Paz, no bairro Navegantes, em 1921 para a Igreja Matriz um
homem que com sua liderança competente exerceu grande influência tanto nos caminhos da
Comunidade Evangélica como em toda a vida cultural da "colônia alemã", o
pastor Karl Eduard Gottschald. Ele tinha sólida formação teológica, ainda na linha
liberal, boa formação cultural, era bom orador, organizador e líder comunitário.
Naqueles anos a vida da comunidade floresceu em todas essas áreas, se consolidou e se
ampliou com a fundação da Igreja Martin Luther, em 1936, e da sua escola, em 1931.
Ao lado do pastor Gottschald havia um
líder leigo de igual envergadura, o médico Frederico Falk, presidente da Comunidade de
1913 a 1938. O pastor Gottschald soube enfrentar com sabedoria e habilidade também as
influências do nazismo nos anos após 1933 e as pressões da campanha de
nacionalização, promovida pelo governo brasileiro, que dificultavam as atividades dos
alemães e seus descendentes. A deflagração da II Guerra Mundial e a inimizade com os
países do Eixo puseram fim a esse período histórico. A Comunidade Evangélica de Porto
Alegre deixou de ser Deutsche Evangelische Gemeinde, o uso da língua alemã nos ofícios
foi relegado a segundo plano e após 1945 foi preciso construir muitas atividades de forma
nova.
A GRANDE EXPANSÃO
Na segunda metade de nosso
século, a C.E.P.A. espalha suas paróquias por toda a cidade e amplia seu sentido
missionário
Após a Guerra, tanto a IECLB quanto a C.E.P.A.
voltaram-se decididamente para a realidade brasileira e entraram em maior cooperação com
as outras igrejas evangélicas através da Confederação Evangélica do Brasil. Oura
conseqüência foi que as igrejas do Sul deram maior atenção aos estados do Brasil
Central e do Norte. O número de pastores vindos da Alemanha regrediu e os jovens formados
na Brasil foram ocupando as vagas. A Igreja foi adquirindo outra imagem.
Durante as décadas de 1950 e 60, a
Comunidade Evangélica experimentou uma fase de revitalização e de expansão
extraordinárias. Pela primeira vez foi feito um plano que previa a presença da C.E.P.A.
em todos os bairros onde houvesse maior concentração de evangélicos luteranos. Também
foram fixados pontos de irradiação missionária.
Em 1956 foi fundada a Paróquia São
Mateus, na zona sul. No mesmo ano foi criado o pastorado estudantil para a juventude
universitária. Em 1959 a escola da Paróquia Martin Luther foi transformada em Ginásio
Pastor Dohms. No ano de 1963 foi criado o Centro Social João Kluwe Jr., no bairro Três
Figueiras, e junto com este a Paróquia São Lucas, que atendia as vilas do leste da
capital.
No mesmo ano, ainda se fundaram, no Jardim
Itú, zona norte, o Centro Social Mathilde Renner e a Paróquia do Salvador, que mais
tarde abriria a Escola do Salvador. Em 1971/72 foi construído o Centro Comunitário
Piratini, em Alvorada, onde depois se desenvolveram a Casa da Criança e a Paróquia Maria
Madalena. Em 1975 começava a Missão Urbana, que daria origem à Paróquia São Marcos.
A maior obra destes anos, porém, foi a
construção do templo da Reconciliação e do Centro Evangélico, na rua Senhor dos
Passos, no centro da cidade. Toda a Comunidade Evangélica de Porto Alegre se mobilizou
para concluir essa obra, inaugurada em 1970. Paralelamente, ocorria um trabalho de
despertamento e aprofundamento da fé. Para tanto, contribuiu decisivamente o maestro Leo
Schneider, com o trabalho da Escola dominical para crianças e adultos. Também os
pastores americanos, como Olson, trouxeram valiosa contribuição. Os grupos de senhoras-
as OASEs - ajudaram incansavelmente.
Em 1960 a Comunidade institucionalizou e
ampliou o serviço social, a diaconia, criando uma vice-presidência especial e
encarregando o pastor Albert Bantel e a assistente social Emília Lamprecht de desenvolver
esse trabalho, com atenção primordial às crianças.
Desde sua fundação, já se cuidava dos
necessitados, mas então as atividades foram ampliadas a todos as pessoas carentes. Esse
desenvolvimento fez com que, em 1980, todas as paróquias tivessem alguma obra social.
Nos anos 80 aconteceram duas iniciativas
que influenciaram toda a vida da Comunidade: a primeira foi a descentralização
administrativa, transferindo para as paróquias a responsabilidade pelo trabalho e
finanças. Essa medida esvaziou a administração central, mas privilegiou a vida nas
bases. A segunda iniciativa foi a criação do Movimento de Casais, que fortaleceu a vida
familiar e dinamizou a participação dos leigos na vida da Igreja.
Podemos constatar, pois, que além da
expansão exterior houve também um aprofundamento da consciência confessional na
tradição luterana e um despertamento para a dimensão missionária na grande cidade.