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Anna & Josef HILLE
em BRUDERTAL
Uma Retrospectiva da História
Por: Horst Dieter Hardt, Bisneto de Josef Hille,
Joinville/SC
O fato de hoje estarmos aqui reunidos,
revendo os parentes que há muito tempo não víamos e conhecendo membros da família que
até então eram desconhecidos, já seria motivo de alegria. Porém acreditamos também
que neste Primeiro Encontro dos Descendentes do Casal Anna e Josef Hille, deveríamos
dedicar um espaço para resgatar um pouco de nossa própria história. Elaboramos esta
modesta retrospectiva, embora escrita com as poucas informações que conseguimos coletar,
para mostrar à geração mais jovem um pouco mais sobre nossas origens, despertando
também o interesse pela nossa cultura.
Procuramos, neste pequeno trabalho,
dividir os temas em capítulos, para que o entendimento seja mais fácil. Falaremos da
terra natal de Josef Hille; da sua religião; a trajetória antes de chegar ao Brasil; da
sua personalidade; profissão; e de seus feitos. Queremos deixar aqui registrado, de
antemão, um agradecimento a todos que, de uma forma ou outra, colaboraram fornecendo
documentos e depoimentos.
A ORIGEM
Consta nos registros que o imigrante
Josef Hille nasceu no dia 21 de setembro de 1862, em Meydorf, na Boêmia (em alemão
Bôhmen. Joseph era filho de um fabricante de meias também chamado Josef. Pesquisando em
diversas fontes, observamos que a região da Boêmia localiza-se atualmente ao leste da
Alemanha e norte da Áustria, com aproximadamente 500 metros acima do nível do mar, sendo
composta de um plano de granito, cercado por montanhas cobertas por florestas. É uma
região de agricultura e fruticultura muito boa e suas pastagens exuberantes favorecem a
criação de gado. Hoje em dia esta área pertence à República Tcheca. Durante séculos
foi cenário de conflitos, tanto de ordem política e religiosa como por disputa de
terras; e que diversas vezes mudaram de governantes.
Preocupando-nos com a situação
política da Boêmia do século passado verificamos que, desde 1526, durante a Guerra dos
Trinta Anos, até 1918, estas terras pertenceram à Áustria. Portanto, apesar da
proximidade com a Alemanha, podemos praticamente afirmar que Josef Hille era austríaco,
confirmando o que já vinha sendo dito pelos mais antigos.
RELIGIAO
Em documentos pesquisados no Arquivo
Histórico Municipal de Joinville, mais precisamente no registro de imigração, consta a
informação de que Josef Hille era de uma religião Cristã pouco conhecida entre nós,
chamada de Comunidade Morávia, Irmãos Morávios, ou ainda Irmãos Tchecos. Buscamos
algumas informações a respeito desta ordem religiosa e poderíamos dizer o seguinte:
Trata-se de um movimento protestante que
teve origem no início do século XV, quando passaram a não mais aceitar a autoridade do
Papa, declarando sua própria hierarquia. Portanto afastaram-se do Catolicismo. Por sua
ação de protesto, tiveram anos mais tarde importante papel na Reforma da Igreja.
Traduziram a Bíblia para o Tcheco e fundaram várias escolas, sendo portanto um grupo
preocupado com a cultura.
Após várias perseguições, no ano de
1727 unificaram seu movimento na cidade de Herrenhut, que seria a sede desta entidade
religiosa. Seus cultos aceitam as doutrinas tradicionais cristãs, porém dão ênfase a
liberdade plena de consciência, rejeitando qualquer outra autoridade em matéria de fé
além da Bíblia. Entre suas atividades, destaca-se o envio de missionários para diversos
países do mundo.
A SAIDA DA BOEMIA
Na realidade não temos nenhum documento
ou testemunho que possa nos dar maiores informações sobre a data e as condições de
saída de Josef Hille da Boêmia. Entretanto, fazendo uma pequena análise da situação
social, política e econômica da Europa no século passado, não é difícil compreender
porque tantos deixaram suas terras em busca de novos horizontes em países distantes.
Nosso antepassado porém, não deslocou-se diretamente para o Brasil como talvez muitos
pensam, mas sim dirigiu-se inicialmente para a Rússia, na localidade de Schadura, na
Ucrânia em uma região conhecida por Rússia Branca, justamente por ter sido colonizada
em parte por povos de língua alemã (lembrando que o alemão e também o idioma oficial
da Áustria). Estes alemães e austríacos, viviam de forma isolada dentro da Rússia,
contribuindo intensivamente com seu progresso, no entanto não misturaram-se aos russos,
preservando assim sua cultura, seus costumes, sua língua e sua religião.
Pesquisando em um livro que trata da
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, descobrimos que os alemães que
colonizaram a Rússia, tinham a liberdade de manterem-se isolados dentro da própria
Rússia, isto porque a Imperatriz Catarina II, que era alemã, concedeu-lhes esta regalia.
Por este tratado, os alemães também estavam livres do serviço militar. No entanto,
estas vantagens foram aos poucos sendo retiradas, tanto que em 1874 determinou-se que
fossem obrigados a servir o exército, além de que certos livros mencionam perseguições
religiosas, motivos pelos quais muitos abandonaram estas terras.
Como na época o Governo Imperial de D.
Pedro II fazia propaganda para atrair imigrantes alemães, provavelmente estes fatos
expostos foram um fator de vinda de Josef Hille ao Brasil
A VIAGEM E A CHEGADA AO BRASIL
Como em muitos processos de migração,
também nesta história, a Igreja teve um importante papel. Liderados pelo Pastor Wilhelm
Lange, no dia 29 de junho de 1886, após 40 dias no mar, atraca no porto de São Francisco
do Sul o navio a vapor Hamburg, proveniente do porto de mesmo nome, com 132 passageiros a
bordo, dentre os quais estava Josef Hille. Segundo declaração expedida pelo Arquivo
Histórico de Joinville, Josef Hille chegou acompanhado de esposa Christine, de 32 anos, e
de dois filhos: Flora e Rudolf, de 5 e 2 anos respectivamente. Estas informações não
estão de acordo com a realidade, pois sua esposa se chamava Anna (nascida Jarschel), e
não temos registros de que ele tenha se casado 2 vezes. Baseado neste desencontro de
informações, a seguinte hipótese foi levantada: já há muito tempo em conversas de
família dizia-se que o pai de Josef Hille, que também se chamava Josef, estava nesta
viagem e havia morrido no navio, sendo seu corpo atirado ao mar. Neste caso, imaginamos
que a referida Christinie Hille tenha sido a madrasta de Josef, e que pela pouca idade (32
anos), foi talvez a segunda esposa de seu pai.
INICIO DA COLONIZAÇÃO
Dentro dos ideais da Igreja Morávia,
estava o objetivo de fundar no Brasil uma colônia isolada, que estivesse longe dos
pecados e das tentações do mundo, preservando seus mais puros princípios cristãos.
Este ideal bastante utópico era apoiado pela sede da Comunidade Morávia em Herrenhut.
Desta forma, em 1886, foi erguido um barracão no local escolhido pelo Pastor Lange,
exatamente no quilômetro 18 da Estrada do Sul, onde hoje situa-se a Igreja Luterana e o
respectivo Cemitério. A partir deste ponto, diversas famílias foram adiante, adquirindo
as terras da localidade na qual hoje nos encontramos, chamada de Brüdertal que em
português seria "Vale dos Irmãos', muito provavelmente em função do nome da sua
religião chamada em alemão de Herrenhuter Brüder, ou seja "Os Irmãos de
Herrenhut'. Segundo informações consta que o primeiro barracão para abrigo construído
em Brüdertal ficava ao lado do atual cemitério, onde por último morou a família
Dressel.
Podemos imaginar o quanto foram
difíceis aqueles tempos. Após praticamente dois meses de viagem, em um país de clima
muito mais quente e úmido, com doenças tropicais, insetos, animais selvagens, a falta de
infra-estrutura, enfim, muitas adversidades deveriam ser superadas. Se pararmos alguns
instantes, se fecharmos nossos olhos e tentarmos voltar 111 anos no tempo, neste mesmo
lugar, nas condições daquela época, facilmente conseguimos avaliar a fibra, a
determinação e a capacidade de trabalho daquela gente que veio de tão longe em busca de
um mundo melhor.
Desde o inicio da comunidade da Estrada
do Sul e de sua co-irmã de Brüdertal, as relações com a matriz de Herrenhut foram
bastante fracas, terminando por completo no ano de 1896, com a transferência do Pastor
Lange para Brusque. Neste período estas comunidades eram atendidas pelo Pastor Rauh, de
Joinville. Somente no ano de 1898, na Alemanha, a Lutherische Gotteskasten, preocupada com
as comunidades de língua alemã espalhadas pelo mundo, designou para Brüdertal o Pastor
Conrad Roesel, sendo este sucedido durante os anos seguintes por pastores da Igreja
Luterana.
JOSEF HILLE COMO PESSOA
Já vimos de onde veio e como chegou
até aqui nosso antepassado, porém ainda não sabemos como ele era e o que fazia. Nesta
parte, diversas informações são baseadas em declarações dos mais velhos, que o
conheceram ou que ouviram falar a seu respeito.
Josef Hille era tido como um homem
sério, disciplinado, rígido e de certa forma autoritário, talvez dentro do melhor
estilo da família patriarcal que predominava na época, onde sempre a última palavra era
do pai. Extremamente respeitado, segundo seus netos, não tinha dificuldade para dar
alguns tapas quando julgasse necessário.
Diferenciando-se da maioria, não era um
homem dedicado à agricultura. Plantava apenas para consumo da família, sendo que alguns
aqui presentes ainda se lembram do cafezal que tratava com extremo cuidado e da horta na
qual cultivava nabos (Steckrüben e Scharzerrettich). A criação de animais que tinha,
também era pequena, limitando-se ao mínimo.
A titulo de curiosidade, descobrimos que
entre as comidas favoritas de Josef Hille, estava a carne de porco salgada, e Brotsuppe
(sopa de pão) e, obviamente, o "Scharzerrettich". Joseph preparava-o da
seguinte forma: cortava-o em fatias finas já durante o dia, sem porém separá-las,
colocando-as no sal sobre uma barrica, de modo que à noite a raiz estava macia e
temperada. Além destas preferências, sabemos também que era apreciador de longas
conversas com os amigos, durante as quais tomavam seu vinho. Descobrimos ainda que sempre
antes do almoço e do jantar tomava uma pequena pinga, no entanto com moderação. Era um
homem que não gostava de comidas doces e certamente por causa disto chegou até o fim da
vida com a dentição completa.
Um outro fato que nos permite avaliar
melhor como era Josef Hille. Trata-se da sua preocupação pelos animais silvestres e pela
natureza em geral. Aconteceu que certo dia cães de caça acuaram um veado perto de sua
casa, e Josef com a espingarda na mão apontava para o animal que estava parado, porém
sem atirar, quando alguém gritou: - Schiess doch Josef! -(Atira Josef!) E ele respondeu:
- Ich kann nicht! - (Eu não posso!).
Muitos diziam que não era trabalhador
porque não se dedicava ao trabalho braçal. Na verdade Josef Hille tinha suas atividades
mais voltadas para o campo intelectual. Apesar de ter herdado do pai os conhecimentos para
fabricar meias, que até exercia em urna máquina na sua própria casa, ficou mais
conhecido pelos seus trabalhos culturais. A fabricação de meias teve que ser
interrompida durante a primeira guerra mundial, por causa da dificuldade de importação
das agulhas, motivo este que também fez com que Josef Hille se dedicasse mais ao seu
cafezal, na mesma época também em que iniciou-se em Brüdertal a abertura de valetas
para o cultivo do arroz.
Provavelmente em função da religião
à qual pertencia, teve acesso aos estudos e desta forma pode atuar mais intensamente na
comunidade. Era conhecido por tocar e ensinar violino e ser também o organista da
comunidade de Brüdertal. Certamente foi no campo da música que ficou mais conhecido,
pois de 1901 a 1904 e posteriormente de 1907 a 1908, dirigiu o Coral da Igreja da Paz em
Joinville. Mesmo morando em Brüdertal, no local onde hoje está a casa de Theobaldo Hille
(seu neto), viajava semanalmente a pé ou a cavalo, por 30 quilômetros, sem medir
esforços para realizar aquele trabalho junto ao Coral, pelo qual mereceu diversos
registros de reconhecimento em documentos da Comunidade. Existe hoje ainda uma grande
quantidade de partituras escritas por Josef Hille, principalmente de cantos religiosos.
Consta em um livro da Igreja Luterana,
que no dia 23 de maio de 1911, durante a festa de inauguração da Escola de Brüdertal,
tão logo foram cantadas algumas canções, Josef Hille subiu em uma parte elevada da
construção, de onde iniciou um discurso com conotação humorística, no qual dizia que
ao invés do mestre, quem falava era o aprendiz. Após esta introdução, iniciou a
apresentação de versos por ele escritos, nos quais fazia uma retrospectiva bastante
abrangente da história de Brüdertal, desde a saída de Schadura na Rússia, até os
difíceis tempos do inicio no Brasil, passando pela construção do primeiro barracão
para abrigo, da escola improvisada e pela construção da Igreja, comparando tudo às
condições nas quais se encontravam então naquele dia já bastante próspero de 1911.
Pela sua capacidade, atuava também como
substituto do pastor e professor, quando da falta destes, conquistando assim o respeito de
todos, tanto que era tratado de "Vater Hille" ou pai Hille em português.
Não temos ainda a data precisa e o
local de casamento de Josef Hille com Anna Jarschel, que provavelmente se deu na época da
sua chegada ao Brasil. Deste matrimônio, segundo documentos da Igreja, o primeiro filho
nascido em 13 de setembro de 1886, chamava-se Franz Josef Hille que faleceu com apenas 18
dias de vida, sendo que após nasceram mais cinco filhos, todos já falecidos, que se
chamavam: Josef, Emma, Anna Luise, Ernst Heinrich e Fritz. Estes todos por sua vez se
casaram, dando origem a diversas famílias, dentre as quais muitas se fazem presentes aqui
no dia de hoje
Anna Hille, nascida no dia 13 de
novembro de 1864, faleceu no dia 13 de julho de 1936, portanto com quase 72 anos, por
motivo de derrame cerebral que sofrera durante uma viagem à São Bento do Sul, de onde
retornou sem nunca mais recuperar plenamente a saúde.
Josef Hille, durante toda sua vida,
gozou de muita saúde e, dizem, que nunca foi ao médico. Faleceu no dia 9 de dezembro de
1937, acometido de hidropisia ( Em alemão Wassersucht), contando com a idade de 75 anos.
Chegamos à parte final de nosso
levantamento convictos de que este apanhado de informações foi somente o início de um
trabalho muito mais extenso, que poderá ser desenvolvido com a soma de esforços daqueles
que se interessam pela nossa história. Esperamos que este primeiro passo motive mais
pessoas, e que em um próximo encontro possamos reunir ainda mais dados sobre a Família
de Josef Hille
De qualquer maneira, este relato da vida
de um imigrante, independente dos laços familiares que com ele temos, nos deixa nas
entrelinhas uma mensagem. Mensagem esta que se traduz no exemplo de fé, de trabalho, e
principalmente de esperança, pois temos a certeza que de lá onde agora estão os velhos
Josef e Anna Hille, olham para nós com um grande sorriso no coração.
Fontes de consulta:
KNAURS KONVERSATIONS LEXIKON, Berlin -
1934
LUTHERISCHE KIRCHE IN BRASILIEN 1898 - 1905 1955, Rotermund und Co. - São Leopoldo
RS
ENCICLOPÉDIA MULTIMÍDIA ENCARTA'95, Microsoft Corporation
SILVEIRA BUENO, FRANCISCO DA, Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, Fename - Rio de
Janeiro - 1980
KIRCHENGEMEINDE JOINVILLE 1851-1951, Rotermund und Co. - São Leopoldo RS
JORNAL A NOTICIA, Edição do dia 18 de Agosto de (?) - Centenário do Coral da Igreja da
Paz
LIVROS DE REGISTROS DE NASCIMENTOS, BATIZADOS E FALECIMENTOS DA IGREJA DE BRUDERTAL E
IGREJA DA PAZ.
ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA GLOBO, Editora Globo - Porto Alegre -1974
GRANDE ENCICLOPÉDIA DLLTA LAROUSSE, Editora Deita S/A - Rio de Janeiro - 1972
JORNAL O CAMINHO, IECLB - OUTUBRO DE 1991 |
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